Professor de botânica alerta sobre os riscos que esta suposta comodidade pode trazer para a natureza
Frutas sem sementes como uvas, melancias, bergamotas (tangerinas) e tomates, cada vez mais são demandadas para a “comodidade” dos consumidores. Para o biólogo Paulo Brack, Doutor em Ecologia e Recursos Naturais e Professor Titular do Departamento de Botânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), essa facilidade torna os frutos comercialmente mais valiosos, por outro lado, apresenta uma grande ameaça: a variabilidade genética de várias plantas que necessitam de sementes como elemento chave de sua evolução. Brack ainda critica a chamada busca de homogeneização ditada pelos que, segundo ele, comandam o mercado.
“A planta que não tem semente vai depender 100% da ação humana para se reproduzir”, explica o professor. E é essa limitação da propagação que fica dependente do ser humano que acaba estrangulando as variedades.
“A própria FAO (Organização para a Alimentação e Agricultura) fala há mais de dez anos que o mundo já perdeu 75% ou mais de variedade de cultivo de plantas alimentícias”, explica.
A bergamota montenegrina (Citrus deliciosa Tenore), resultado de mutação espontânea, é um exemplo disso que Brack fala. Hoje em dia esta variedade descoberta em 1940 em Campo do Meio, área do município de Montenegro (Vale do Caí, Rio Grande do Sul) está ameaçada de extinção.
A bergamota montenegrina que é caracterizada por uma casca grossa e muito sabor pode sumir exatamente por causa da baixa variabilidade genética nos espécimes existentes que foram obtidos por reprodução vegetativa, a que multiplica assexuadamente (sem sementes) partes de plantas para criar outras idênticas.
Homogeneização e cosmetização
Cada vez mais aparecem nas gôndolas dos supermercados frutas e legumes descascados em bandejas de isopor. Além da chamada “comodidade”, uma bergamota ofertada dessa maneira, por exemplo, procura atender a tendência de homogeneizar o que é vendido.
Para Brack, uma questão estética. “Dizem que o consumidor quer a padronização, se ele vê na prateleira algo um pouco diferente ele não compra”.
Em nome dessa estética, na opinião do professor, absurdos são feitos. Como o combate travado no Instituto Rio-grandense do Arroz (Irga) contra o arroz vermelho gaúcho.
“Estamos vivendo uma extinção de plantas silvestres, mas também de plantas convencionais, de variedades, como o próprio arroz típico do Rio Grande do Sul. Tínhamos milhares de variedades, hoje temos uma meia dúzia”, denuncia.
Perplexo, Brack discorre sobre a comercialização e procura por arroz vítreo. “Arroz vítreo! Transparente como o vidro, que não tem nada além de carboidrato. O Arroz branco já é ruim, ao contrário do integral, agora este? Estão combatendo o arroz vermelho, que é um arroz maravilhoso do ponto de vista de nutrientes, para buscar um arroz mais homogêneo. Tratam o vermelho como uma erva daninha”, indigna-se.
Consumo como ato político
“Essa uniformização é muito ruim do ponto de vista da biodiversidade. Essa uniformização que inclui a produção de frutos sem semente busca um viés produtivista que o mercado busca impor”, denuncia Brack.
Uma das soluções para esse problema, aponta, é estimular as compras locais. É nesse sentido que Brack afirma que “consumo é um ato político”.
Ato político no sentido de favorecer a comunidade local, de um ponto de vista ambiental mais harmônico e equilibrado. “Em Porto Alegre, se consumíssemos mais da produção agrícola do Lami, de Belém Novo, Viamão, teríamos um cinturão verde em volta da nossa cidade muito mais valorizado e isso impediria a expansão urbana desenfreada dessas áreas”, afirma.
O professor ainda defende, sempre que possível, além dos produtos da agricultura familiar, agroecológica e orgânica, a compra em feiras. “Nós vamos incrementar um círculo virtuoso. Hoje, se nós formos comprar em um supermercado, por exemplo, os pequenos não vão ter para quem vender e vão abandonar sua atividade e estimular o êxodo rural”.
Outro papel do que chama consumo político é “dar perenidade as sementes que chamamos de crioulas, objeto maior da agricultura orgânica e que grande parte estão nas comunidades indígenas, quilombolas e na pequena agricultura tradicional”.
Fonte: Jornal Extra Classe 11/05/2022